Apesar dos esforços tecnológicos dos bancos para evitar fraudes, a responsabilidade objetiva em bloqueios de transações pode criar problemas ao limitar transações fora do perfil dos clientes, demandando uma abordagem mais flexível para evitar falsos positivos e permitir transações atípicas.
Muito embora o olhar atento e alta tecnologia empregados pelas instituições financeiras para mitigar a realização de operações fraudulentas, os casos envolvendo golpes e fraudes se multiplicam na Justiça.
A saída mais simples pode parecer o reconhecimento da responsabilidade objetiva do banco por não ter bloqueado transações fraudulentas que fujam do perfil transacional do cliente.
Ora, quantas vezes nós mesmos não saímos do nosso próprio perfil, ao comprar uma televisão, fechar uma viagem, quitar um veículo ou fazer um procedimento médico/estético? Em outras palavras, o falso positivo é altíssimo ao bloquear operações que fogem do perfil dos consumidores, pois, ainda bem, as pessoas não vivem de forma monótona e eventualmente fazem transações pontuais fora do perfil. O ponto está na reiteração dessa postura que, neste caso, deve ser coibida pelos bancos.
Se, a primeira transação que fuja minimamente do perfil do cliente, as instituições financeiras a bloquearem, a realidade será o bloqueio de mais de 99,6% de transações legítimas que irão frustrar a experiencia de clientes, além de eventuais danos pelo bloqueio destas transações as quais desaguarão no Poder Judiciário.
Como se não bastasse, enquadrar o banco como único responsável por golpes que envolvam engenharia social e fragilização, por parte da vítima, de senhas, informações ou realização de transações, é incentivar o comportamento pouco leniente da população.
No fim do dia, o incentivo perversor gerado por retirar a responsabilidade dos consumidores ao serem pouco atentos quando buscam “grandes oportunidades” ou fragilizam senhas, irá aumentar exponencialmente as fraudes.
Importante lembrar que o cliente possui a sua disposição um cardápio para mitigar eventuais riscos, tais como lugar seguro, limite transacional de pix por horário e localidade, dentre outros mecanismos.
A conclusão tem se limitado a um simples cotejo entre a operação não reconhecida e outras rotineiramente feitas pelo cliente, olvidando-se por completo dos termos da contratação existente entre as partes, momento em que são previamente definidos os limites do crédito, formas de utilização e acesso aos serviços disponibilizados pelo Banco.
Ou seja, o crédito é previamente concedido e está à disposição do cliente para utilizar quando e como lhe aprouver, valendo lembrar que “qualquer ingerência do banco sobre o teor da operação configuraria ingente violação à privacidade e ao sigilo bancário da cliente, quiçá desenhando, agora sim, ato ilícito indenizável.” (TJ/SP, Apelação Cível nº 1016029-37.2019.8.26.0554, I. Rel. Des. CARLOS GOLDMAN, j. 20/8/21).
Demais disso, o chamado risco da atividade, a exemplo de invasão de sistemas ou vazamento de dados, não inclui a ação criminosa praticada por terceiro fora do âmbito do Banco, que se inserem no espectro de responsabilidade afeta ao Estado, a quem compete o dever de assegurar a segurança pública dos cidadãos, cuja responsabilidade está sendo repassada às instituições financeiras não por falha na prestação de seus serviços, mas pelas consequências da inação daquele..
O ajuste feito entre o cliente e o Banco, faz nascer responsabilidades recíprocas. Ao cliente, o dever de zelar pela guarda dos meios de acesso aos serviços bancários (cartões, token, celulares nos quais estejam instalados aplicativos, senhas). Ao Banco, a obrigação de autorizar as transações realizadas mediante acesso válido e dentro dos parâmetros pré-estabelecidos, a exemplo de observância de limite de crédito, utilização de senha pessoal e intransferível do cliente, biometria facial, operações por aproximação, dentre outros.
O banco apenas processa a transação, não lhe cabendo questionar a motivação ou o valor que envolve cada uma das transações realizadas pelos seus clientes, tampouco limitar a livre movimentação financeira, se observadas as condições previamente estipuladas pelas partes.
Postura diversa poderia frustrar uma expectativa de uso do crédito e, daí, surgir a quebra contratual. A partir do momento em que os meios de acesso são legítimos e o correntista possui crédito para tanto, não há por que bloquear uma operação baseado na presunção de operação fraudulenta.
No aspecto perfil de consumo propriamente dito, não se pode limitá-lo de forma linear. Até mesmo porque o consumo não é linear. A depender do dia ou do momento de vida de cada um, podemos consumir bens que não fazem parte de uma rotina.
Se o cliente, num dado momento, resolve utilizar o limite disponibilizado, possuindo, desta forma, uma expectativa de uso do crédito, não cabe ao Banco limitar a sua liberdade econômica, tampouco, bloquear uma operação baseado na suposição de que não tenha sido realizada pelo cliente simplesmente por nunca ter feito uso anteriormente.
Assim, para o tipo de relacionamento entre o Banco e o cliente, um eventual bloqueio, sem que tenham sido violados meios de acesso e limites preestabelecidos, ganha um viés subjetivo, notadamente quando não há previsão contratual ou legal para monitoramento personalizado de todas as operações realizadas por cada cliente.
O Juiz de Direito Marcos Alexandre Santos Ambrogi, traz uma importante reflexão sobre a questão da análise do perfil do consumidor e a atividade bancária, valendo destacar o seguinte trecho: …Tem esse Juiz que o conceito de padrão de consumo é falho e pode levar a injustiças, especialmente quando a causa determinante do problema é originada na falta de atenção do consumidor. Até porque se, p.ex., alguma pessoa decide viajar e fazer compras fora do País, por certo que tais compras não farão parte de seu padrão médio em um único dia. E, então, deve a operadora do cartão bloquear a compra de imediato? Não ficará nervosa a pessoa com essa cautela? Será que ele não ajuizará uma ação contra o banco, exigindo danos morais por ter atrapalhado suas férias? O mesmo se questiona se essa pessoa decida comprar móveis para sua casa num único dia. E não se compram móveis todos dias, ao menos para maioria das pessoas. Não se está diante de caso fortuito interno do banco, portanto. (4º Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de Santo André, processo n. 0025575-36.2019.8.26.0554) -Grifou-se.
Se a análise de transações a partir do perfil do consumidor não está nos limites do vínculo a que se obrigou o Banco, não é correto esperar que interfira na conclusão das transações, sob pena de ser responsabilizado por eventual perda de negócios ou exposição à situação de constrangimento.
O Banco garante formas seguras para evitar fraudes, não havendo como imputar-lhe a obrigação de questionar, no momento da realização da transação, o porquê de tal operação, tão somente por que não houve anterior no mesmo valor, destinatário ou horário.
A causa primária das operações concluídas mediante fraude, não está na falha da prestação dos serviços do Banco quanto a análise de perfil de consumo do cliente, mas sim na culpa exclusiva de terceiro que não guarda qualquer nexo causal com a atividade desenvolvida pela instituição financeira, tratando-se de fortuito externo, a excluir a responsabilidade do Banco, já que constitui, como ponderado, dever do Estado, e não do particular, zelar pela segurança pública, conforme prevê o art. 144 da Constituição Federal.
Publicado em Migalhas.